domingo, 20 de março de 2016

PAIXÃO DE JESUS CRISTO SEGUNDO A MULTIDÃO



Ecce Homo, de Jan Mostaert
A semana santa deste ano acontece em meio a um momento profundamente crítico do nosso país. E, como cristãos e cristãs, não podemos fingir que nada está acontecendo enquanto celebramos nossa fé. Não dá para celebrar os grandes mistérios da fé cristã de modo alienado, como se estivéssemos em outro país ou em um momento de calmaria e tranquilidade. Isso não significa transformar o espaço das pregações litúrgicas em comícios políticos ou os púlpitos em palanques. Mas não podemos ignorar a complexidade do momento presente e nos posicionarmos ética e evangelicamente. Com certeza, muitos de nós, nesta semana, vamos acompanhar não só as celebrações litúrgicas, como também os desdobramentos da crise política que estamos imersos.
O objetivo deste texto é ser uma ajuda, a fim de que, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil sugere em sua nota sobre o momento atual, publicada no dia 10 de março de 2016, façamos um bom discernimento, com seriedade e responsabilidade. Não se trata de uma questão meramente partidária de ser a favor ou contra alguém ou um partido. Não é isso. O que está em jogo é muito mais profundo e sério. Não escrevo este texto com o objetivo de inflamar os ânimos de ninguém – apesar de saber que cada um reage ao texto de uma forma, inclusive com raiva e ódio.
Na chamada “oração do dia” proposta para a liturgia do Domingo de Ramos e da Paixão através do qual damos início às celebrações da Semana Santa, pedimos a Deus Pai: “Deus eterno e todo-poderoso, para dar aos homes um exemplo de humildade, quisestes que o nosso Salvador se fizesse homem e morresse na cruz. Concedei-nos aprender o ensinamento da sua paixão e ressuscitar com ele em sua glória.” Pois bem, Semana Santa é também tempo de aprendizagem.
O evangelho proposto para este domingo é sempre o da Paixão do Senhor, cada ano lido a partir de um dos evangelistas. Este ano, lemos a paixão a partir da ótica de Lucas. O trecho vai do capítulo 22, versículo 14 até o capítulo 23, versículo 56. É a partir desse evangelho que desejo apresentar minha reflexão. E o que podemos aprender dessa narrativa? Gostaria de propor uma perspectiva de leitura a partir da multidão. Daí o título do texto: Paixão de Jesus Cristo segundo a multidão.
A primeira vez que Lucas cita a multidão no texto é no versículo 47 do capítulo 22: “Jesus ainda falava, quando chegou uma multidão. Na frente, vinha um dos Doze, chamado Judas, que se aproximou de Jesus para beijá-lo.” O que é interessante observar é que alguém vai a frente da multidão. Ela não se movimenta sozinha. Judas, nesse sentido, simboliza todos os que agitam, inflamam a multidão. A multidão segue alguém. Não tem vontade própria. Aqui multidão se equivale a massa. Basta que haja alguém para acirrar os ânimos e pronto. A multidão o acompanha para onde quer que seja. É verdade que por trás de Judas há outros que não aparecem. Aliás, aparecem como sendo os defensores da moral e dos bons costumes e, por isso mesmo, não podem “sujar” o nome e a imagem. Assim, compram pessoas como Judas, para ir a frente, incitando a multidão e indicando o que precisa ser feito.
Tal cena me faz recordar um estudo de um filósofo chamado Theodor Adorno. Por volta de 1950, ele publicou uma pesquisa feita a respeito do que chamou de “Personalidade Autoritária”. Seu objetivo era descobrir traços fascistas latentes em cidadãos comuns e analisar panfletos e elocuções radiofônicas de agitadores fascistas, militantes e líderes de organizações fascistas. A pesquisa é bastante interessante e ajuda a compreender ainda mais esse fenômeno de que tratamos. Segundo Adorno, as pessoas aderem ao líder não por falta de politização ou consciência, mas por que sentem-se atraídas, às vezes inconscientemente, pelo discurso fascista sobre sua estrutura psicológica  ou o caráter determinado societariamente pela cultura. Não é algo lógico, mas psíquico. A diferença entre os líderes fascistas e seus liderados é que os primeiros possuem a capacidade de colocar o seu inconsciente para fora, sem censura, acionando e mobilizando as forças do inconsciente dos liderados. A eficácia ou poder de mobilização do discurso fascista residia, segundo o referido filósofo, na sua inverdade manifesta.  
            O segundo momento em que Lucas cita a multidão é a partir do versículo 1 do capítulo 23: “Em seguida, toda a multidão se levantou e levou Jesus a Pilatos. Começaram então a acusá-lo, dizendo: ‘Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo, proibindo pagar impostos a César e afirmando ser ele mesmo Cristo, o Rei’. Tal cena acontece após Jesus ser interrogado pelos anciãos e sumos sacerdotes. O falso julgamento religioso – pois eles já tinham tomado a decisão de matar Jesus – já estava concluído. Agora só faltava o julgamento político e a sentença de morte. Tudo muito bem arquitetado. A partir daqui, é a multidão que assume o papel protagonista. Não se fala mais em Judas, nem tampouco nos anciãos e mestres da Lei. Apenas aparece uma multidão enfurecida e desejosa de matar Jesus. No diálogo com Pilatos, os ânimos vão se acirrando cada vez mais até o ponto de desejarem a soltura de Barrabás, condenado por homicídio, e a prisão e morte de Jesus. Em meio à fúria e ao ódio, o discernimento e a sensatez deixam de existir. Não há espaço para diálogo. Só desejam a morte de Jesus. Perdem todos os parâmetros de justiça, respeito, prudência. Os apelos são irracionais e irascíveis. Diante disso, afirma o texto que Pilatos decidiu que fosse feito o que eles pediam. Soltou o homem que eles queriam, ou seja, Barrabás, e entregou Jesus à vontade deles. Quando as autoridades, pensam e agem apenas para agradar a vontade de uma multidão enfurecida, sem razão e totalmente passional, o resultado é a morte. E é isso que acontece. Jesus é crucificado em meio a malfeitores.
Após a morte de Jesus, um oficial romano, que testemunhou tudo o que havia acontecido pronuncia a sentença verdadeira: “De fato! Este homem era justo!” (Lc 23, 47). E após essa afirmação, mais uma vez Lucas cita as multidões: “E as multidões, que tinham acorrido para assistir, viram o que havia acontecido, e voltaram para casa, batendo no peito”. (Lc 23, 48). A afirmação do soldado romano colocou fim à onda histérica em que as multidões estavam imersas. Para os anciãos e mestres da lei, o alívio. Podiam continuar a explorar o povo sem perder seu “status quo”. E aproveitar para ocupar o lugar deixado por Jesus. Para as multidões, o peso de ter matado um inocente, sem defesa. O bater no peito indica a dor na alma, o arrependimento pela injustiça da morte de um justo. Mas agora é tarde.  Só resta baixar o seu corpo da cruz e colocá-lo em um túmulo. A partir dessa narrativa da paixão, podemos destacar alguns aprendizados.
Primeiro: A multidão é manipulável. Não enxerga com criticidade. Vai na onda, convicta que faz a coisa certa. Na verdade, é usada por gente oportunista que não está nada preocupada com o destino da nação. No nosso caso, a ideia do combate à corrupção é apenas uma “ideia fachada”. Se realmente houvesse preocupação com a corrupção, que é endêmica e sistêmica, a pauta seria outra. Por exemplo, a reforma política e o fim do financiamento privado e empresarial das campanhas eleitorais. Ou a regulamentação e democratização dos meios de comunicação social, que funcionam como grandes agitadores da multidão. Mas sobre isso não se fala, pois o que se quer é apenas ocupar o lugar de quem está governando e pronto. Na verdade, não se quer acabar com a corrupção. E tampouco cuidar dos pequenos e pobres. Essas últimas palavras parecem não existir no dicionário.
Segundo: Em um regime democrático, as instituições não podem agir com o mesmo ímpeto que a multidão. Que os cidadãos expressem descontentamento a respeito desse ou daquele projeto político é compreensível. Faz parte do jogo democrático. E que de tempos em tempos, conforme as regras, queiram mudá-lo também. Contudo, quando as instituições, ao invés de assumirem a garantia das regras do jogo democrático, agem conforme a vontade passional da multidão, elas deixam de cumprir seu papel fundamental. Ao invés de promoverem o Estado Democrático de Direito passam a promover, ainda que invisivelmente, o Estado de exceção. E o pior: as penalizações valem para os grupos inimigos e os benefícios para os grupos amigos. Dois pesos e duas medidas. Uma justiça conivente e envaidecida com os interesses das elites e que passa a impressão de cumprir a lei a todo custo.
Terceiro: É preciso estarmos bem atentos às decisões que vamos tomar. Nossa atitude pode colocar em risco toda a história democrática do Brasil. Engana-se quem pensa que estou defendo um partido. Não estou.  A vítima principal é a democracia brasileira. É ela que precisamos defender e salvar, para que não tenhamos que bater no peito, chorando e pedindo perdão pelo que fizemos ou deixamos de fazer. Em 1964, a marcha da família, com Deus pela liberdade reuniu multidões. Foram manifestações ocorridas entre 19 de março e 6 de junho daquele ano. Parcelas do episcopado e clero católico também fizeram parte. Sabemos bem onde essas marchas desaguaram. E depois só restou um vergonhoso pedido de desculpas.
Como afirmei no início desse texto, apenas quero ajudar a unir fé e vida, Palavra de Deus e realidade histórica. E motivar a cada um e cada uma a aprender com a paixão de Jesus e com a história do nosso país as lições que podem impedir o retrocesso das conquistas democráticas. Seja essa semana santa uma rica oportunidade de aprendizagem para todos nós.


sábado, 12 de maio de 2012


Ao Hilário, com carinho!


Nestes últimos dias tenho pensando em 2011. Tenho pensado em tudo que vivi em 365 dias de trabalho, atividades, encontros, momentos alegres e felizes, momentos sofridos e tristes. E a avaliação que tenho feito é muito positiva. Aliás, sempre é assim. Olhando para trás vejo mais coisas boas do que ruins. Sinto mais esperança em viver o futuro do que medo. O passado é mola propulsora para novos caminhos, projetos e rumos.
Em 2011 vivi alguns momentos que guardarei profundamente na memória e no coração. Entre eles estão a Ampliada Nacional da Pastoral da Juventude, realizada em janeiro, em Imperatriz, no Maranhão. Foi algo lindo de se ver e viver! Nunca tinha participado de uma ampliada da PJ antes. Ali, senti-me em casa, pude renovar meu compromisso com os/as jovens e aprendi, a partir da vivência litúrgica e da Palavra de Deus – estávamos no ciclo do Natal ainda – que Jesus não “furou” a fila, mas permaneceu nela, como um bom e verdadeiro ser humano, a fim de que toda justiça pudesse se cumprir. Fila dos pecadores, dos publicanos, dos que procuravam o Batista em busca de conversão (cf. Mt 3,13-17). Aliás, foi também no Maranhão que vivi outra experiência linda. Refiro-me ao 4º encontro estadual dos grupos de base em Coroatá, lugar de acolhida, de gente feliz, de uma igreja atuante e comprometida com a juventude. Lá, em Coroatá, vi uma cena simples, talvez insignificante, mas que me chamou a atenção. Depois percebi que era um costume deles, pois se repetiu várias vezes. Ao se aproximar do bispo um jovem lhe beijou a mão e o bispo beijou a mão do jovem. Como disse, algo simples, singelo, carinhoso. Mas para mim, sinal de uma igreja servidora e samaritana que acolhe e se deixa acolher.
Em 2011 participei da romaria dos mártires da caminhada, em Ribeirão Cascalheira, no Mato Grosso. O incentivo e a motivação dos amigos e amigas foram fundamentais para que pudesse ir. Ao entrar no Santuário dos Mártires cumpria a promessa que tinha feito a mim mesmo, em 1994, quando vi, pela primeira vez, o filme “Anel de Tucum”: eu ainda vou nesse lugar! Foi emocionante. Ouvir o “Pedro”, modo como é conhecido naquelas bandas dom Pedro Casaldáliga, narrar o martírio do padre João Bosco Penido Burnier foi uma experiência profundamente mística. Guardarei no coração suas palavras finais na missa de envio: “Podem nos roubar tudo, menos a fé e a esperança”.
Há tantas outras coisas que vivi em 2011 na paróquia onde trabalho, na família, com os amigos e amigas, com Deus. Se tivesse que relatar tudo gastaria páginas e mais páginas. Mas não é o caso. O importante é que sou grato a Deus pelo que me proporcionou ao longo desse ano.
Mas e o título desse texto, que relação possui com o que já escrevi até agora? Dizem que o certo é pensar o título por último, depois que o texto já está escrito. Pois bem. Aqui fiz justamente o contrário. Primeiro veio o título e depois o conteúdo. E por uma razão muito simples: queria escrever um texto para o padre Hilário Dick, SJ, pois ele, para mim, foi uma referência ao longo desse ano. Se tivesse que escolher alguém para homenagear, ser uma “personalidade do ano”, seria o Hilário Dick.
Quem acompanha esse “velho e bom” amigo da juventude sabe o que ele viveu e sofreu, especialmente por causa de sua saúde, ou melhor, a falta dela. Cirurgia, sessões de quimioterapia, dias e dias de recuperação. Foram tempos difíceis. Mas ele sobreviveu. E está “mais vivo do que nunca”. Fortificando-se mais e mais e fazendo uma das coisas que mais ama na vida: juventude. Sim, o Hilário “faz” juventude, ele “produz” juventude, acompanhando, assessorando, escrevendo e pesquisando. Acho que aquela frase de dom Helder cabe bem ao Hilário: “O segredo de ser sempre jovem – mesmo quando os anos passam – é ter uma causa a que dedicar a vida”. O Hilário nunca será uma unanimidade, nunca terá aprovação de todas as pessoas. Contudo, há uma coisa que não se pode negar: ele possui uma CAUSA a que se dedicar. E essa causa se chama JUVENTUDE. Isso mesmo. Para ele, juventude é causa e não coisa. Quando algo se torna causa, a gente doa a vida e, paradoxalmente, recebe-a novamente. Quando algo é apenas coisa, simplesmente a usamos em benefício próprio. É por isso que o Hilário se renova a cada dia.
Pensando nesse texto, em 2011, em 2012 e, principalmente, no Hilário, veio-me a cena da apresentação de Jesus no templo. As personagens eram as mesmas, com exceção do velho Simeão – que fora substituído pelo velho Hilário – e de mim, escondido atrás de uma das colunas do templo. Apesar de não ver muito, pois as colunas eram grandes, pude ouvir claramente o que o velho Hilário, ao receber o Menino nos braços, disse: “Agora, Senhor, deixai este vosso servo “viver” em paz. Sim, Senhor, deixai este vosso servo “viver” em paz. Agora que vi a salvação, contemplei vosso filho menino, deixai-me partir para a missão, deixai-me anunciar as vossas maravilhas, que vejo aqui com os meus próprios olhos. Deixai-me ir ao encontro de tantos jovens excluídos, mal amados, rejeitados e esquecidos, para que contemplem o brilho dos meus olhos e, assim, participem, dessa mesma esperança.” Após essa prece, como se já conhecessem o jeito de ser do velho Hilário, todos cantaram em uníssono, gregorianamente: “Amém, sim senhor, Seu Padre!”
Hilário querido, a sua vida é doação em favor dos pequenos, dos pobres e, principalmente, dos jovens. Ela nos inspira a viver nossos dias, com alegria, mel e poesia. Que todo o sofrimento pelo qual você passou esse ano, seja como um bom adubo, que fertiliza a terra, tornando-a capaz de produzir vida em abundância. Lembre-se do salmo 125,5: “Os que semeiam entre lágrimas, ceifarão com alegria”.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Testemunhas do Reino até os confins do mundo!

Um dos textos bíblicos propostos para a Solenidade da Ascensão do Senhor, At 1,1-11, mais precisamente no versículo 8, revela a promessa de Jesus em enviar aos discípulos e discípulas o Espírito Santo a fim de que eles se transformem em suas testemunhas “em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria e até os confins da terra”. Eis aí um dos grandes desafios para todos os cristãos e cristãs: na força do Espírito Santo, transformarem-se em testemunhas do Reino até os confins do mundo!

Nos últimos tempos tenho acompanhado o trabalho da Pastoral da Juventude em nível nacional, uma vez que atualmente faço parte da Comissão Nacional de Assessores e Assessoras da Pastoral da Juventude. Gosto de estar com os jovens. Eles nos provocam a pensar, às vezes colocam questões complexas, partilham sonhos, acreditam e lutam por um mundo melhor. Com isso não estou a “sacralizá-los”. Sei também dos desafios, dificuldades, desesperanças que cercam o mundo juvenil.

Uma das coisas bonitas na Pastoral da Juventude é o chamado Processo de Educação na Fé (PEF). Coisa interessante, beleza antiga e sempre nova. Quando vivido de modo correto, funciona mesmo. Forma o jovem de modo integral e libertador na escola de Jesus de Nazaré. O “resultado” desse processo é que o jovem se transforma em “Testemunha de Jesus e de seu Reino”. Eu mesmo tive essa experiência. Foi na vivência desse processo que me encantei com Jesus Cristo e o Reino de Deus. Descobri uma igreja de comunhão e participação, que faz opção pelos pobres, cheia de mártires em sua caminhada. O PEF transforma a vida dos jovens. Certa vez, em um encontro com um jovem, sugeri que ele participasse de um dos grupos da pastoral da juventude. Passei um tempo sem conversar com ele. Depois de um ano nos encontramos. Queria falar comigo sobre algumas coisas. Admirei o seu modo de se expressar. Não parecia o mesmo jovem. E de fato não era. Tinha se transformado. Em tom de brincadeira perguntei a ele: “escuta aqui, onde você aprendeu tudo isso?” E ele me respondeu com um sorriso mineiro: “Uai, na PJ!” Aquele jovem havia se transformado em uma testemunha do Reino!

Entre os dias 03 a 06 de junho acompanhei em Marabá – PA a reunião da equipe nacional da campanha contra a violência e o extermínio de jovens. Essa campanha é organizada pelas Pastorais da Juventude do Brasil (PJ, PJMP, PJR, PJE) e tem sido uma resposta ao clamor de jovens de todo o Brasil que clamam: “Chega de violência e extermínio de jovens”! Ao celebrar a Eucaristia, contemplando o rosto feliz e esperançoso daqueles jovens, veio-me a certeza: o Espírito Santo está sobre eles. São testemunhas do Reino até os confins do mundo.

Ao voltar para casa e retomar a vida cotidiana, tenho acompanhado nestes dias pelo twitter (maravilha tecnológica de nossos tempos) a movimentação de diversos jovens por ocasião do lançamento da 2ª. Conferência Nacional de Juventude a ser realizada em dezembro desse ano. Vindos de vários lugares, se ajeitam, se organizam e se fazem presentes em Brasília, Salvador, Goiânia, Porto Alegre, Florianópolis, Manaus, Maceió, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e em tantas outras pequenas e grandes cidades! São as testemunhas do Reino até os confins do mundo. E se tornaram testemunhas porque, com certeza, vivenciaram bem o processo de educação na fé proposto pela Pastoral da Juventude.

Escrevo motivado pelo testemunho de vocês, Jovens Testemunhas do Reino nos confins do mundo político. Sei que não é uma tarefa fácil. Vocês são cobrados, exigidos, às vezes esmagados de todos os lados. Mas saibam: não serão vencidos! O Espírito Santo habita em vocês. Ele é o “defensor”, o “iluminador”, o “pai dos pobres”. Vocês optaram, através do processo que vivenciaram na PJ, a serem testemunhas do Reino no mundo político. Somos agradecidos por isso. O mundo político também precisa de testemunhas como vocês: jovens, corajosos, proféticos, alegres, simples, despojados, generosos, audaciosos. Se pudesse diria apenas que permanecessem ligados à “Videira”, pois vocês são os “ramos”. E deixem o Espírito Santo agir. Ele indicará o caminho a seguir.


domingo, 6 de março de 2011

O feminino que brota de Imperatriz

"Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais!”


Entre os dias 08 a 15 de janeiro deste ano a cidade maranhense de Imperatriz, conhecida como o “Portal da Amazônia”, acolheu jovens de diversas partes do país para a Ampliada Nacional da Pastoral da Juventude. A ampliada é um espaço de encontro para avaliação e deliberação dos trabalhos realizados em nível nacional pela Pastoral da Juventude (PJ). Tempo forte de ousadia, profecia e missão. Aliás, “Missão e Profetismo” foi o tema desta ampliada.

Pela primeira vez tive a alegria e a honra de participar deste momento singular da história da PJ. Acredito que muitas pessoas tiveram a oportunidade de acompanhar essa atividade. Aliás, pela primeira vez, houve uma transmissão ao vivo pela rede mundial de computadores, o que permitiu uma maior interação entre quem estava e quem não estava em Imperatriz. Acredito também que muita gente tem se perguntado: “Mas e aí? O que Imperatriz trouxe de novo? Quais foram os pontos fortes da ampliada?” Com certeza a ansiedade de ler o relatório, saber noticias, contemplar os frutos é grande. Quanto a isso tenham a certeza que brevemente tudo estará disponível. Muitas pessoas estão trabalhando com dedicação para que o espírito da ampliada de Imperatriz atinja, missionariamente, os “confins” do mundo. Contudo, quero também contribuir pessoalmente e dar meu testemunho do que vi e vivi em Imperatriz.

Para as pessoas que crêem e se reúnem ao redor do Ressuscitado a vida está cheia de sinais. Herdeiros que somos do povo do Êxodo, fazemos experiência de um Deus que se manifesta em nossa história, pois é o Emanuel, o Deus conosco. É daí que me vem a certeza de que Deus se manifestou em Imperatriz de modo muito forte em sua dimensão feminina. E que ninguém se assuste com a afirmação de que Deus é feminino também. Não se trata de nenhuma heresia! Se fosse assim, antes de mim, o papa João Paulo I já a teria cometido, pois ele mesmo afirmou ser Deus pai e mãe: “(...) somos objeto, da parte de Deus, dum amor que não se apaga. Sabemos que tem os olhos sempre abertos para nos ver, mesmo quando parece que é de noite. Ele é papá; mais ainda, é mãe. Não quer fazer-nos mal, só nos quer fazer bem, a todos (...).”[1]

Para mim essa presença feminina de Deus foi percebida em diversas situações. A primeira delas relaciona-se ao nome da cidade, Imperatriz. Não podemos esquecer que é um nome feminino. Não importa muito se o nome tenha sido dado em homenagem à imperatriz Teresa Cristina. Mais do que isso, importa considerar as tantas outras imperatrizes, anônimas, que com o suor do trabalho tornaram o chão mais fecundo e feminino. Chão fecundo e feminino que produz em abundância o babaçu, o coco das mulheres quebradeiras, movimento forte de resistência e de luta. Também o babaçu esteve lá, em nossa ampliada. Aliás, esteve lá e, pela generosidade dos jovens daquela região, está também conosco em nossa casa, pois cada um de nós recebeu um babaçu como símbolo da ampliada na celebração de envio. Na ocasião, Dom Vilson, bispo de Caxias, enfatizava a beleza do babaçu e sua importância para o povo do Maranhão.

Também a mesa de abertura da ampliada trouxe os seus sinais. Em uma mesa onde o masculino e o eclesiástico prevaleciam, duas jovens mulheres fizeram a diferença. Uma delas era a coordenadora de um dos grupos de base. Em meio a vozes fortes, sua voz foi como brisa suave. Dizia: “sejam bem vindos à nossa cidade.” Lembrei-me da jovem de Nazaré no seu canto do magnificat: “Derrubou os poderosos de seus tronos e elevou os humildes. Saciou de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias.” A outra, baiana, negra, secretária nacional da PJ. Sua voz se fez ouvir em tantas partes do Brasil ao longo dos três anos de atividade missionária. Falava como quem tem autoridade. Recebeu aplausos, afagos, chamegos e cheiros. Também pudera! Sua inspiração vem de outra grande mulher, a sua “mainha”, que de “inha” só tem o nome, pois na vida e na história ela é “ona”, é mãezona.

E o que dizer da inspiração bíblica da ampliada? “O meu desejo é a vida do meu povo” (Es 7,3)! Na terra de Imperatriz, quem falou foi uma rainha, Ester, mulher bela, encantadora, corajosa. Sua palavra, que já havia conquistado o coração do rei Assuero, conquistou também muitos corações durante os dias da ampliada.

Além desses sinais, a força do feminino se fez presente em tantos outros momentos da ampliada. Na cozinha, nas diversas equipes de trabalho, nas falas, na dança, nas profecias, na missão... Até quem não estava ali presente se fez presente pela sua defesa do feminino. Foi o caso do Sandro Hilário, membro da Comissão Nacional de assessores, que em sua mensagem dizia aos candidatos à secretaria nacional da PJ que deixassem o “feminino se manifestar neles, pois não iriam se arrepender.”

Os sinais estão aí. Prontos para serem acolhidos, compreendidos, assumidos. Nestes tempos pós ampliada tenho “guardado essas coisas no coração”, com respeito e reverência, buscando entender o que Deus quer nos dizer. À Pastoral da Juventude cabe ser profeta e profetisa do feminino. A força do autoritarismo, a irracionalidade do machismo, a prepotência das tiranias explícitas e ocultas não será vencida com os mesmos meios utilizados por “eles”, mas com a singeleza, a beleza, a leveza, a ternura e o cuidado de mulheres e homens que acolhem os sinais do feminino que vem de Deus.

Padre Wander Torres Costa

Membro da Comissão Nacional de assessores/as da Pastoral da Juventude

Pároco da paróquia Nossa Senhora de Fátima – Viçosa / MG

pewandinho@yahoo.com.br



[1] João Paulo I, Angelus Domini, Domingo, 10 de setembro de 1978. Disponível em www.vatican.va/holy_father/john_paul_i/angelus/documents/hf_jp-i_ang_10091978_po.html acesso em 05 de março de 2011.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Ele conformou a vida ao mistério da Cruz do Senhor

Hoje, 15 de julho de 2009, faz um mês que o nosso amigo Gisley percorreu os passos da paixão, morte e ressurreição. Era noite de domingo, dia do Senhor, dia de festa, alegria e vida para tantos de nós. Possivelmente já havia celebrado a eucaristia, memorial atualizado da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Não sabia, contudo, que horas depois, viveria realmente o que pela fé celebrara. Isso me faz lembrar as palavras que o padre ouve do seu bispo quando este lhe entrega o pão e o vinho no dia da ordenação: "Recebe a oferenda do povo santo para apresentá-la a Deus. Toma consciência do que vais fazer e põe em prática o que vais celebrar, conformando a tua vida ao mistério da cruz do Senhor". Foi isso que o Padre Gisley fez. Conformou e confirmou a sua vida ao mistério da cruz do Senhor.

Tive a oportunidade de conhecê-lo, conviver com ele, partilhar sonhos, dividir preocupações e angústias. Ao saber da notícia, fui para sua terra natal, Morrinhos, para acompanhar e viver com tantas outras pessoas, de diversas partes do Brasil, momentos profundos de comunhão, dor, lágrimas, saudades, recordações... Não foi fácil. Às vezes me perguntava: Por que tudo isso? Por que ele? Por que meu Deus? A juventude do nosso Brasil tão carente de gente que a ame, que lhe acompanhe e que diga a ela como é importante e querida mais uma vez tem que se mostrar forte e generosa. Lembrei-me de uma frase de D. José Mauro, bispo responsável pelo setor juventude, morto em um acidente automobilístico em setembro de 2006: "O mundo novo vai ter que passar pelo coração generoso e pela capacidade de luta da nossa juventude do Brasil. Beijo grande e vamos à luta!" No momento do sepultamento veio à mente o trecho de uma música: "Põe a semente na terra, não será em vão. Não te preocupe a colheita, plantas para o irmão."São palavras que nos ajudam a contemplar tudo isso aos olhos da fé em Jesus Cristo. São palavras que nos consolam, nos dão chão para continuar a missão.

Enquanto ocorria o velório, após uma das missas, D. José Luiz Bertanha (presidente da comissão do laicato da CNBB) e D. Eduardo Pinheiro (responsável pelo Setor Juventude da CNBB) pediram ao padre Sávio e a mim que ajudássemos, provisoriamente, na assessoria do Setor Juventude. Missão difícil...Pensei comigo: Pela juventude e pelo Gisley. É preciso continuar a luta, os sonhos. "A juventude quer viver!" De modo especial, fazer com que a Campanha contra a violência e o extermínio de jovens cresça e seja fortalecida. Este era um dos sonhos do padre Gisley. Por ele se entregava por completo.


Esta foto que coloquei para ilustrar é o modo como desejo guardar o Gisley em meu coração: simples, servidor, amoroso e solidário. Ela foi tirada na quinta feira santa de 2008, na comunidade de Nova Viçosa, Paróquia Nossa Senhora de Fátima - Viçosa/MG, onde o Gisley viveu a semana santa.
Por ocasião de uma reunião que tivemos para conversar sobre as atividades do setor juventude tive que manusear a agenda que o padre Gisley usava para anotar os compromissos do setor. O marcador se encontrava no dia 12 de junho. Nesta página encontrei o seguinte poema com o qual termino este texto. Ao lê-lo, na sala onde o Gisley trabalhava, senti o coração acalentado e o desejo enorme de partilhá-lo com todos vocês...

Por estas tardes plácidas do campo,
- tardes azuis de firmamento escampo
Eu vou, través de longos carreadores,
Sentar-me num barranco, ermo e distante,
Sentindo o fresco aroma penetrante
Que vem da madressilva aberta em flores.

Paulo Setúbal

As Torres deste Blog

Essa é minha terceira postagem... Já posso voar sozinho!
Pelo que tinha pensado, com esta postagem encerro minhas postagens introdutórias. A idéia era falar um pouquinho do motivo para o blog, bem como a escolha do seu nome e da foto. Vamos lá então. Que Torres são estas que estão neste blog?
Quando estava procurando uma imagem que pudesse expressar o motivo desse blog, meu desejo era encontrar uma imagem significativa, forte, que ilustrasse bem o que penso para este espaço. Pensava em imagens de torres. Nesta busca, deparei-me com esta foto. (E desde já, obrigado ao fotógrafo desconhecido). Aí não tive dúvida. Elas serão as torres deste blog. Estas torres são da igreja da Sagrada Família, de Antoní Gaudí, um grande arquiteto espanhol. Esta igreja fica em Barcelona, na Espanha. Em dezembro de 2000, por ocasião de um encontro de jovens cristãos ligados à comunidade de Taizé, tive a oportunidade de conhecer esta maravilha da arquitetura moderna. Ela é considerada a obra prima de Gaudí. O estilo de Gaudí é singular e, por causa dele, foi muito criticado pelos seus contemporâneos. Suas torres contrastam com as torres de uma Barcelona fortemente industrializada. Com certeza a obra de Gaudí revela uma visão de mundo distinta, que difere do senso comum e que por isso mesmo pode, num primeiro momento, causar estranheza, espanto e admiração. Ao construir estas torres, Gaudí deixou na história e no tempo a sua marca, o seu selo. Desejo que estas torres inspirem-nos a construir as nossas. O mais importante é que elas no permitam contemplar o mundo.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Torres Gêmeas???

Então vamos lá...Essa é minha segunda postagem! Como disse ao final de minha primeira postagem não teria pressa em escrever. Esse blog será construido aos poucos. Seguindo um pouco a galera, nessa segunda postagem farei menção ao nome deste blog. Por que Torres Gêmas?
Fui ordenado padre por D. Luciano no dia 11 de setembro de 2004 três anos após o atentado terrorista às Torres Gêmeas. A ordenação seria no dia 18 de setembro, mas como D. Luciano tinha um compromisso antecipou a data. Depois que marcou percebi outra coincidência: as iniciais do meu nome eram as mesmas das Torres Gêmeas: Wander Torres Costa - World Trade Center. WTC. Além do mais o meu T é de Torres. Diante dessas coincidências, certa vez alguém disse: "E aí, Wander Torres Gêmeas!". Esse alguém foi o Roni, de Barbacena, gente boa, Pjoteiro criativo. Não só por isso né, lógico. Mas pelo seu jeito de ser e ver a vida.
Mas voltemos ao nome do Blog. Foi um dos primeiros nomes que veio à mente. Não por causa das Torres Gêmeas "oficiais", símbolo de um sistema que oprime e gera morte (e isso não significa dizer que sou favorável ao que aconteceu. Como dizia D. Luciano: "Não se mata por uma causa. Pode-se morrer por uma causa, mas não matar!")
Então... com esse nome, gostaria de mostrar que há outras formas de se ver as coisas por aí e que há também outras "Torres Gêmeas" que nos ajudam a contemplar o mundo. Pretensão? Não. Sonho e Utopia. E como dizia o Dom, aquele pequenino e de nome Helder, "Gosto de pássaros que se enamoram das estrelas e caem de cansaço ao voar em busca da luz." Até breve!!!